terça-feira, 15 de abril de 2014

Processo de paz no Oriente Médio virou fim em si mesmo

Por JODI RUDOREN
JERUSALÉM - A crise que se abateu sobre o enfermo processo de paz do Oriente Médio tem muito mais a ver com preservar o processo do que com encontrar um caminho para a paz.
O colapso ocorreu porque os dois lados se recusaram a acatar as condições estabelecidas quando do início das negociações mediadas pelos americanos, em meados de 2013. Desde 4 de abril, apesar de o secretário de Estado John Kerry ter pedido "um momento para examinar a realidade" e dizer que Washington iria reavaliar seu papel, intensas discussões ocorreram para definir um novo conjunto de condições. Todas as três partes têm interesses próprios no diálogo: as negociações geralmente trazem recompensas tangíveis para os palestinos, aliviam a pressão internacional sobre Israel e emprestam credibilidade à vacilante política externa do governo de Barack Obama.
Mas, agora, as três partes também estão calculando os custos: por quanto tempo Kerry continuará perseguindo uma paz difícil de entender, quando há tantas outras coisas com que lidar em um mundo tumultuado? Como podem os líderes palestinos e israelenses evitar parecerem fracos perante seus eleitores céticos e seus governos fraturados?
"O tipo de ridículo que se acumula sobre o atual esforço não é bom -você paga um preço por isso", disse Daniel Levy, diretor do programa de Oriente Médio e Norte Africano do Conselho Europeu de Assuntos Externos.
"Existem processos que, acima de tudo, fazem mais mal do que bem", disse Levy. "Cabe aos promotores do processo, os americanos, levar a sério a ideia de que existe algo como um mau processo, que mais serve para prejudicar dois Estados do que para avançar."
O processo de paz tem mais de 20 anos de idas e vindas, período em que assumiu vida própria e se tornou, de certa forma, um fim em si mesmo. Alguns analistas consideram que as negociações lideradas por Kerry inibem o reconhecimento das diferenças fundamentais entre as posições israelenses e palestinas. As partes passaram centenas de horas, nas últimas semanas, debatendo os detalhes sobre quais prisioneiros seriam soltos e quando. Qualquer discussão sobre como dividir Jerusalém, onde estabelecer a fronteira ou os direitos dos refugiados é uma lembrança distante.
Há uma cultura de codependência cercando o diálogo, e Kerry ocupa o papel de facilitador. Um colunista israelense recentemente o comparou a uma babá que oferece aspirina em vez da cura. "Sua missão tem sido apenas manter as pessoas se encontrando e dialogando, em vez de forçá-las a assinar ou concordar", disse Mahdi Abdul Hadi, diretor da Sociedade Acadêmica Palestina para o Estudo de Assuntos Internacionais. "É um processo em que você vai para casa, come e dorme, mas você não sabe como será comer e dormir no segundo dia."
Especialistas no conflito palestino-israelense dizem que o máximo que o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu está preparado para ceder está muito aquém do mínimo que o presidente Mahmoud Abbas, da Autoridade Palestina, está disposto a aceitar.
Netanyahu está impedido de avançar pelas divisões em sua coalizão de governo e no seu partido, o Likud, enquanto Abbas sofre as limitações do racha entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, bem como as discórdias dentro de sua facção, a Fatah.
Ainda assim, analistas e autoridades dizem que os israelenses, os palestinos e os americanos muito provavelmente ainda querem que as conversas continuem, tendo em vista os levantes no mundo árabe e as divergências quanto ao programa nuclear iraniano.
Husam Zomlot, alto funcionário palestino, disse que a continuidade da construção de assentamentos israelenses na Cisjordânia, entre outras ações, está "transformando o processo em uma piada". Ele e outros palestinos defendem um diálogo multilateral tendo como modelo o que foi feito para o Irã e a Síria.
Em Israel, ex-autoridades estão pedindo "medidas unilaterais coordenadas", pelas quais Israel abandonaria alguns assentamentos e entregaria aos palestinos o controle da maior parte da Cisjordânia.
Mas Itamar Rabinovich, ex-embaixador israelense nos Estados Unidos, diz que estar sentado à mesa de negociações ainda é melhor do que não estar lá.
Ele disse: "Evitar escorregar para o abismo é bom em si mesmo, e, se você é um otimista, dirá que isso propicia uma nova chance para avançar".
NYT, 15.04.2104